CIDADÃO HONORÁRIO DE CEREJEIRAS
08 de Agosto de 2011
Quero primeiro expressar a minha gratidão a Deus por estar neste momento no meio de vocês, nesta sessão solene para me homenagear. E o faço com o Salmo 68, versículos 20 e 21
“Bendito seja o Senhor a cada dia! Deus leva nossas cargas Ele é o nosso Salvador! Nosso Deus é um Deus que liberta.”
Fiquei agradavelmente surpreendido com o título honorifico que acabam de me conceder. Pois, sinto-me muito ligado a este município que vi nascer, que acompanhei em seu desenvolvimento e cujo progresso constato a cada visita pastoral anual.
No dia 13 de maio de 1979, como novo administrador da diocese de Guajará-Mirim, criei a nova Paróquia Nossa Senhora Aparecida de Colorado do Oeste.
No dia 14 de maio do mesmo ano, com o finado Dom Roberto Gomes de Arruda e o Frei Luiz dos Reis Pacheco, pegamos a pista que nos levou a Cerejeiras, depois de termos entrado num atoleiro e de toparmos com um caminhão atravessado na estrada.
Na Avenida principal havia uma vintena de casa. E também uma escolinha de tábuas lascadas, que fotografei, com a jovem professora que estava dando aula a uns 15 meninos e meninas. Escolinha que, conforme o relatório que colocaram em minhas mãos, é um histórico de Cerejeiras: “
“Cerejeiras surge praticamente, diz o relato, a partir da construção de uma escola autorizada pelo INCRA para atender aos filhos dos colonos.”
Depois, com o Frei Luis e com um líder de comunidade, Adelino Vanelli, fomos ver o terreno da futura igreja. Mas como era só paus cortados e quebrados, decidimos com Dom Roberto, deixar o Adelino e o Frei Luis, prosseguirem em sua procura do terreno da Igreja e os esperamos sentados num toco. O Frei Luis já tinha proposto aos administradores do distrito nascente, nomes para as futuras ruas da futura cidade. Quando estavam voltando do terreno da Igreja, eu gritei a ambos: “ Cuidado com o entroncamento da Avenida dos Estado e da Avenida das Nações, o trânsito é muito perigoso!” O Adelino logo retrucou: “ Padre, o Senhor está caçoando de nós, mas daqui a pouco vai ver o que será de Cerejeiras”.
Com efeito, a partir daquele dia, cada ano, quando visitava Colorado, descia até Cerejeiras que, rapidamente, tomou as feições de cidade e de uma bela cidade, como o é, hoje!
Cerejeiras conheceu todas as etapas de uma colonização dolorosa e corajosa. Foram muitas as vítimas da malária.
Aqui permito-me relatar uma ação que tentei com os responsáveis políticos da época para controlar a malaria. (livro de lembranças que publicarei antes do fim do ano, se Deus quiser).
Um dia, saímos com o padre Victor e padre Aldo, primeiros padres católicos de Cerejeiras, visitando a linha 07 de Colorado do oeste, até o lugar onde trabalhavam as máquinas abrindo as estradas na floresta para a colonização agrícola.
Deixamos o jipe e partimos para a casa do administrador da comunidade, quando reparamos um grupo de pessoas que caminhavam em nossa direção: dois homens transportando alguém numa rede . Quando chegaram perto de nós, eles nos mostraram, na rede, um jovem, Joãozinho, em estado de coma. Rapidamente nós o colocamos no jipe e retornamos a Colorado do Oeste.
Tarde demais! Joãozinho morreu no pequeno leito do hospital, vítima da maldita “falciparum”, aos quinze anos. Choramos de tristeza e de raiva! Era preciso fazer alguma coisa. Inaceitável as coisas continuarem assim!
Consultei os médicos do nosso hospital Bom Pastor em Guajará-Mirim a fim de planejar com eles uma estratégia para evitar tamanhos dramas. O doutor João-Luis Bardy e o doutor Alípio Garcia aceitaram de ir a Colorado do Oeste para examinar a situação e propor soluções. Eles passaram ali uma semana, percorrendo 2 Linhas, cuidando de todos os doentes encontrados.
É possível diminuir drásticamente a malária. Um mês mais tarde, os padres do Colorado retornaram nas comunidades visitadas pelos médicos e constataram que não havia mais doentes naquela área. Dessa maneira, concluímos que, se o mesmo tratamento fosse aplicado em toda a região, a epidemia de paludismo e a mortalidade poderiam ser bem reduzidas.
Um sério estudo foi empreendido visando implantar uma campanha contra a malária; autoridades sanitárias do estado e do Município de Vilhena, vinculado à região do Colorado do Oeste, foram consultadas. O bispo de Porto Velho, naquela época, dom João Batista Costa, apresentou-me à Secretária da Saúde do estado. Explanei-lhe nosso projeto: a associação médica alemã Medeor nos forneceria todos os medicamentos a preços reduzidos, num valor de 60.000 dólares (dinheiro que seria doado por católicos franceses), sob a condição de obter as devidas autorizações. A Secretária aceitou com entusiasmo e gratidão. O responsável pela saúde do município de Vilhena prometeu-nos todo o seu apoio.
A campanha foi então preparada com coragem e entusiasmo, durante duas semanas; o tempo necessário para abarcar todos os pontos de colonização agrícola da região. Os médicos formaram vinte e três agentes de saúde. Os alunos das escolas prepararam os saquinhos com os remédios para serem distribuídos às famílias.
No começo de maio, tudo estava já pronto para começar a campanha de erradicação da malária ou pelo menos de sua redução. A campanha seria iniciada no dia 13 de maio de 1981, data fatídica em que o Papa João Paulo II fora baleado pelo jovem Ali Agca. Nesse mesmo dia, uma carta da Secretária de Saúde de Estado, que tanto nos incentivou, me foi entregue pessoalmente, impedindo-me de continuar a campanha e alegando o seguinte motivo: “Utilização de medicamentos estrangeiros numa população usada como cobaia!” E isso, considerando-se que os remédios utilizados eram vendidos em todo o Brasil e que nós havíamos informado às autoridades sobre todos os detalhes da campanha... Havia razões subjacentes que não nos foram reveladas... Mas quais?
A campanha favoreceria o crescimento do partido dos trabalhadores(PT) Telefonei a Dom Luciano Mendes de Almeida, nosso Secretário Geral da CNBB, em Brasília. No dia seguinte, ele nos dava a solução do enigma: o Governador de Rondônia Jorge Teixeira, decretara a proibição da campanha porque ela iria favorecer a implantação política do Partido dos Trabalhadores (PT)na região!”
Eu não duvidei dessa explicação, mas ela me deixou perplexo! Era bem verdade que nossos padres, religiosas e determinados líderes de comunidades da região sul da diocese, não escondiam sua preferência pelo PT. Precisava ver a esperança que o nome de Lula suscitava então, para compreender esse excesso de zelo! O que me deixava atônito, era constatar como os serviços de informação do Governador eram capazes de exagerar a influência que alguns militantes do PT exerciam numa região cujos habitantes eram ainda tão pouco politizados, pois as pessoas estavam mais preocupadas com a sobrevivência de cada dia! E que tamanha irresponsabilidade, sob um pretexto político absurdo, sacrificar toda uma população que sofria e morria por causo da málária!
Recolhemos os 60.000 dólares de medicamentos e os entregamos ao nosso Hospital Bom Pastor. Na Região de Colorado, a pesar do esforço dos líderes de um PT nascente, nenhum candidato do PT foi eleito.
Alguns semanas depois desse drama, o Governador, que havia conseguido fazer eleger todos os seus candidatos e a Secretária da Saúde, movidos, espero, pelo remorso, me visitaram para apresentar-me as suas desculpas pela interrupção da nossa campanha. Não lhes escondi minha amargura e acrescentei : “Será preciso os senhores pedir desculpas a Deus por todos os pobres que morreram e pelos que abandonaram seus lotes por motivo de saúde, quando podíamos evitar essas tragédias!”
Além da malária, foi a leishmaniose, foram os acidentes das derrubadas, os conflitos agrários, como foi o caso com os capatazes da Fazenda Arantes na fundação de Cerejeiras...
Criei a Paróquia Cristo Salvador a 01 de maio de 1982 com o Pe Vítor Pasa como primeiro Pároco. Pouco depois, a 5 de agosto de 1983, foi criado o Município de Cerejeiras.
Assim são 32 anos que acompanho passo a passo o desenvolvimento e o progresso de Cerejeiras.
Sinto-me muito ligado a toda esta região e a este povo onde tenho muitos amigos.
Por isso o título de Cidadão Honorário da Cerejeiras que acabo de receber desta Cãmara Municipal, Senhor Presidente, me enche de orgulho e de alegria.
Termino voltando meus olhos para Deus e pedindo-lhe as melhores bênçãos para esta casa e para todo o povo de Cerejeiras. Faço-o com o Salmo 67 vv 2-3:
“Deus tenha piedade de nós e nos abençoe,
Fazendo a sua face brilhar sobre nós,
Para que na terra se conheça o seu caminho
E em todas as nações a sua salvação.”
Obrigado pela atenção.
D. Geraldo Verdier
Bispo de G. Mirim
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